Nota técnica do Dieese sobre a PEC 287

Nota técnica do Dieese sobre a PEC 287

PEC 287: A Minimização da Previdência Pública

A Proposta de Emenda Constitucional nº 287 (PEC 287), enviada pelo governo ao Congresso Nacional no início de dezembro de 2016, altera diversas regras referentes aos benefícios da Previdência e da Assistência Social. As mudanças propostas para a Previdência incidem tanto sobre o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que protege os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos que não contam com regimes próprios, quanto sobre os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), voltados a atender as necessidades dos servidores públicos, federais, estaduais ou municipais. As mudanças aprofundam a convergência das regras entre os dois regimes previdenciários vigentes (RGPS e RPPSs1 ), embora eles se mantenham distintos. A justificativa do governo para apresentar a proposta se baseia em uma concepção de que a Previdência Social brasileira se tornou insustentável financeiramente, apresentando reiterados déficits orçamentários, e que seriam necessárias medidas para garantir sua “sustentabilidade por meio do aperfeiçoamento de suas regras”. Atribui como principal causa desta crise de financiamento as mudanças demográficas em curso na população brasileira (em particular, o envelhecimento populacional). Além disso, atribui a existência de “algumas distorções e inconsistências do atual modelo”, que criariam, entre outras questões, disparidades entre os modelos do RGPS e dos RPPSs e entre os diferentes segmentos populacionais. Além da previdência, a proposta também altera regras da Assistência Social, reduzindo a abrangência e a capacidade de proteção social.

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“Mulheres serão as vítimas preferenciais da PEC do Teto”, diz subprocuradora da República

publicado 19/12/2016 por

Este artigo foi escrito pela subprocuradora da República Ela Wiecko, com exclusividade para AzMina.

“Mulheres serão as vítimas preferenciais da PEC do Teto”, diz subprocuradora da República

Em outras palavras, as mulheres trabalharão mais e por mais tempo, sem remuneração ou com remuneração precária

Ilustração: Ana Matsusaki

Proposta de Emenda Constitucional 55 (popularmente conhecida como PEC do teto) agora é lei. Lei de natureza constitucional, ou seja: alterou em vários pontos a Constituição da República promulgada em 1988. Vai afetar a vida de toda a população brasileira, ao estabelecer um teto dos gastos públicos nos próximos 20 anos, sob a justificativa de que gastava-se mais do que é arrecadado em tributos. Mas, principalmente, impactará a vida das mulheres, tornando a desigualdade de gêneros ainda mais profunda.

Fica muito evidente pelos seus termos que o objetivo é restringir os gastos com remuneração de pessoal e com os investimentos em saúde e educação. Já foi anunciada a reforma da previdência, também no plano constitucional.

Tudo isso sugere a avaliação feita pelo governo de que gastos sociais, como saúde, educação e seguridade, atrapalham, senão inviabilizam, as contas públicas.

Uma mirada mais crítica sobre o que apregoam os defensores da Emenda, obriga-nos a questionar se todos os cidadãos e cidadãs brasileiros serão afetados da mesma forma e no mesmo grau e se os gastos sociais são realmente o vilão do desequilíbrio das contas públicas.

A experiência do confisco da poupança no governo Collor é exemplo: quem ganha salário mais elevado, quem tem imóveis, quem tem investimentos financeiros diversificados,consegue navegar na crise e, inclusive, uma vez superada, ficar em situação melhor do que a anterior em relação a quem depende de emprego precarizado ou aposentadoria de valor mínimo e não possui imóvel próprio.

Nessa perspectiva, pode-se antever que os grupos de renda per capita ou familiar de R$ 81 a R$1019, serão severamente afetados. Esses grupos vão de extremamente pobre a alta classe média, conforme classificação da Associação Brasileira de Empresas e Pesquisas (Abep). A classe alta será menos afetada e o segmento mais abonado dessa classe será afetado positivamente, pois passará a fornecer serviços privados de saúde, educação e previdência, áreas que serão objeto de menor investimento público. Sem falar na sempre desejada privatização dos estabelecimentos prisionais.

A classe alta terá ganhos com a retração do Estado nos investimentos sociais.

Teto para gastos públicos não é necessariamente ruim, desde que o remédio para o desequilíbrio orçamentário não seja apenas este. Se um dos problemas é a baixa arrecadação tributária, por que não se pensa em fazer os ricos pagarem mais impostos?Por que foram concedidas com o beneplácito do próprio Congresso Nacional tantasdesonerações tributárias? O custo-benefício dos incentivos fiscais para projetos de desenvolvimento, no quais o chamariz da geração de empregos tem afastado requisitos socioambientais previstos em lei e até na Constituição, já foram devidamente avaliados?

Essas categorias de classes sociais ou grupos, utilizadas pelo governo ou pelo mercado, são aparentemente neutras.

Se fizermos a clássica pergunta de um método jurídico feminista “onde estão as mulheres?” veremos que as mulheres serão as “vítimas” preferenciais da Emenda Constitucional 55.

Essa conclusão pode ser inferida do Relatório Anual Socioeconômico da Mulher de 2013. Ele mostra que as mulheres constituem 51% da população brasileira e metade delas declarou-se de cor/raça negra. No crescente processo de urbanização, em números absolutos mais de 86 milhões de mulheres vivem em cidades, enquanto 14 milhões vivem no campo. Nas zonas rurais elas se ocupam da agricultura familiar e o seu trabalho é invisibilizado, pois a maioria não recebe qualquer remuneração. No tocante à população com deficiência, do total de mais de 45 milhões de pessoas, 56,5% são do sexo feminino.

A queda na taxa de fecundidade e o envelhecimento populacional têm repercutido na organização familiar, com a ampliação dos domicílios monoparentais de mãe ou pai com filhas/os. Em 2011 as famílias monoparentais femininas compunham 16,4% dos arranjos familiares e a chefia feminina dos domicílios representava 37,5% do total de famílias – lembrando que mulheres ganham 30% a menos que homens pelo mesmo trabalho no Brasil e que as mulheres têm sido demitidas bem mais desde o início da crise.

O RASEAM também revela que a taxa de atividade para as pessoas entre 16 e 59 anos era de 74,9%. Entre os homens a taxa é de 86,5%, enquanto para as mulheres é de 64%. A diferença é explicada pela divisão sexual do trabalho, que atribui às mulheres a responsabilidade pelas atividades relacionadas aos cuidados e à reprodução da vida. Aos homens, a produção de bens e serviços para o mercado.

Devido a essa divisão no Brasil há um grande contingente de mulheres em idade ativa dedicadas exclusivamente às tarefas com os cuidados da família, crianças, doentes e idosos – sem remuneração.

Para que a taxa de atividade das mulheres pudesse aumentar uma das soluções seria a implantação de equipamentos públicos como creches e casas para pessoas idosas. Há um déficit enorme que, em face da fórmula adotada para os investimentos em saúde e educação nos próximos 20 anos, não será atendido.

Em outras palavras, as mulheres trabalharão mais e por mais tempo, sem remuneração ou com remuneração precária.

Não esqueçamos que metade da população feminina é constituída de mulheres negras (pretas e pardas). Entre elas, 39,8% estão em situação de pobreza. As mulheres brancas em situação de pobreza são 20,3% do total de mulheres brancas. Por isso, considerando a situação de desigualdades socioeconômicas entre mulheres e homens, o ajuste fiscal e a proposta de reforma previdenciária atingirão preferencialmente as mulheres e aumentarão as desigualdades em razão dos papéis de gênero.

A Emenda Constitucional 55 tem o objetivo claro de inovar o regime fiscal do Estado brasileiro, pouco lhe importando o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, expresso na Constituição: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Nessa perspectiva é uma alteração incompatível com a Constituição e só poderia ser feita por uma nova Constituinte.

O Distrito Federal diante dos efeitos da PEC 55

O Distrito Federal diante dos efeitos da PEC 55

O foco na garantia de direitos exige outras soluções. Apostar na mesma solução para um período de 20 anos é colocar a população em sérios riscos

 Leandro Freitas Couto*
Apesar de muito nova, Brasília já não é mais a ilha da fantasia. Dono da maior desigualdade de renda do País (0,570 em 2014), o Distrito Federal tem reproduzido a exclusão, expulsando um contingente de pessoas para o entorno de Brasília, principalmente no estado de Goiás. Brasília tem cerca de dois milhões e meio de habitantes, e seu entorno tem mais de um milhão de pessoas, em condições sociais menos favoráveis.

A atividade econômica no Distrito Federal acompanha a dinâmica nacional. Embora em ritmo mais lento, dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal – Codeplan confirmam que a economia da capital está em retração desde 2014, quando ainda apresentou crescimento positivo, mas já em desaceleração. O Gráfico 1 revela o desempenho econômico do Distrito Federal.

Gráfico 1. Evolução do IDECON – DF

O_Distrito_Federal_diante_dos_efeitos_da_PEC_55Fonte: Codeplan

O setor de serviços dita o ritmo da economia do DF, cerca de 93% da produção local está associada a esse setor.  Todo o setor público está inserido aí, no nível federal e distrital – dado que no DF não se tem municípios autônomos, e as empresas privadas do setor de serviços têm o setor público como seu principal cliente. Segundo a Codeplan, a atividade pública responde por 43,1% da estrutura produtiva do Distrito Federal e por 46,3% do setor de Serviços,

Apenas o comércio caiu 9% entre junho de 2015 e junho de 2016. As crises econômica e política arrefecem a propensão a consumir das pessoas, que adotam uma postura mais cautelosa. Redução do crédito, inflação, que atingiu 7,55% nos doze meses acumulados até junho de 2016, e manutenção dos juros em patamares elevados afastam os consumidores das lojas.

Mais ainda, a taxa de desemprego total no Distrito Federal, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego, alcançou 19% em junho deste ano, enquanto o rendimento médio real se reduziu em 4,6%. Foram quase 19 mil postos de trabalho fechados de janeiro a setembro de 2016. Com a atividade econômica em baixa, é fundamental que o governo desenvolva ações que estimulem a economia e interrompam o clico de queda. A Emenda Constitucional nº 95, de 2016 (antiga PEC 55), no entanto, é uma trava para essa retomada.

Isso porque, dada a baixa no consumo das famílias, o consumo do governo e os investimentos públicos deveriam exercer um papel de ativação da economia, mas com o crescimento das despesas limitado pela taxa da inflação para os próximos 20 anos, o Brasil abdica da possibilidade de fazer política anticíclica. Ademais, como a demanda por serviços em algumas áreas, como a saúde, tendem naturalmente a crescer acima desse índice, dado o padrão demográfico brasileiro, a EC 95 impõe uma compensação em outras áreas, e o investimento e o funcionalismo podem ser ainda mais afetados. Com capacidade instalada ociosa e perspectiva de consumo baixa, é improvável que o investimento privado compense a retirada do investimento público, em que pese uma tímida retomada dos índices de confiança após o impeachment, que já começam a recuar frente à estagnação da economia real..

Nessa linha, a EC 95 não trata de questões centrais para a retomada da economia e o reequilíbrio fiscal. O resultado primário que alcançou um déficit de cerca de 2% do PIB em 2015, em verdade, teve como causa principal a queda da arrecadação que, em 2010, representava 20% do PIB e em 2015 recuou para 17.6%. Nesse mesmo tempo, a despesa passou de 18,1% para 18,6% do PIB, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional STN (sem considerar o pagamento dos passivos de 55 bilhões realizados em 2015 por conta das chamadas pedaladas fiscais – considerando esse valor, o percentual sobe para 19,5%).

Com relação aos reflexos imediatos para o governo local, o principal elemento da receita local advinda de transferências da União, o Fundo Constitucional do Distrito Federal – FCDF, não é afetado pela EC 95 – assim como não são afetados os recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios. Apesar de leve queda entre 2015 e 2016, quando recuou de R$ 12,26 bilhões para R$ 12,02 bilhões autorizados (dos quais R$ 11,86 bi já foram pagos), para 2017 a projeção é de R$13,2 bilhões de repasse por conta do FCDF. As demais transferências, no entanto, devem cair. Em 2015, elas representaram cerca de R$ 533 milhões, menos de 2% do total das receitas do Governo do Distrito Federal naquele ano.

De outra parte, o executivo local tem apostado no aumento de impostos e tarifas para compensar a queda da arrecadação. Além disso, para 2017, haverá redução de 10% nas isenções fiscais no ICMS. Todavia, isso tem se mostrado insuficiente para reverter a situação fiscal do governo, que está acima dos limites prudenciais estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF para os gastos com os servidores.

Várias categorias estão sem receber aumentos concedidos pelo governo anterior, e ainda assim a despesa com pessoal chegou a representar 50,80% da receita corrente líquida em 2015, acima do limite máximo da LRF. Por dois anos seguidos, o governo de Brasília recorreu ao fundo de previdência dos servidores para conseguir fechar a folha de pagamento. Os servidores do governo federal tiveram melhor sorte, e algumas categorias conseguiram negociar em 2015 reposições salariais escalonadas para alguns anos, mas com índices que devem ficar abaixo da inflação e deve ser um dos grandes afetados pelas novas regras da EC 95.

Nessa linha, dado o peso do setor público na economia local, o arrocho do funcionalismo distrital e federal são um fator negativo importante para a retomada da dinâmica econômica na capital da república. A solução estaria, portanto, na ativação do investimento privado – diante do quadro desalentador da economia – e na retomada do investimento público.

Nesse caso, com o aporte das transferências do governo federal sendo afetado pela EC 95, resta a cargo da capacidade de financiamento do governo local a busca pela realização dos investimentos.  E o projeto de lei orçamentária anual indicava que o governo iria no sentido contrário, apresentando uma redução de 35% dos investimentos, que recuariam de R$ 3,7 bilhões em 2016 para R$ 2,4 bilhões em 2017.

Reverter essa trajetória no quadro das novas regras fiscais do governo federal será o grande desafio do Governo do Distrito Federal. No primeiro ano de governo, a aposta do GDF passava pela ativação de parcerias público-privadas, que acabaram não saindo do papel. Alterações na regulação de atividades econômicas, como o Uber ou os food trucks, podem ajudar na formalização e arrecadação, mas, por si só, não é incentivo suficiente para a retomada dos investimentos.

Brasília, definitivamente, não é uma ilha, e a recuperação da arrecadação do governo vai certamente acompanhar a retomada da economia nacional. A EC 95, no entanto, está longe de ser uma solução, tampouco facilitar a demissão sem justa causa de trabalhadores, como anunciou o governo federal nas suas medidas de reativação da economia.   

O caminho está em reforçar o planejamento de mais longo prazo, para que o ajuste se realize no médio prazo com o olhar para o futuro. Priorizar investimento e promover medidas que alavanquem a atividade econômica. De outra forma, não se vê muitas possibilidades de aumento da arrecadação governamental, que no nível atual já não é capaz de prover serviços públicos adequados para garantir direitos da sua população e do entorno – a saúde pública no DF está há anos em crise que não consegue ser superada.

O foco na garantia de direitos exige outras soluções. Apostar na mesma solução para um período de 20 anos é colocar esses direitos, e a população, em sérios riscos.

* Leandro Freitas Couto é doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília e presidente do Sindicato Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento. Atualmente, é pesquisador no Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA

Confira a matéria completa na Carta Maior.

“PEC do teto dos gastos vai trazer danos graves à educação”

“PEC do teto dos gastos vai trazer danos graves à educação”

Para a diretora global de Educação do Banco Mundial, o congelamento de investimentos no ensino será um “desastre” para as novas gerações e comprometerá a produtividade dos futuros trabalhadores no Brasil.

downloadO Senado vota nesta terça-feira (13/12), em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, conhecida como PEC do teto dos gastos públicos. Elaborada como uma tentativa de conter a crise econômica, a proposta fixa um limite para os gastos do governo pelos próximos 20 anos.

No primeiro turno, realizado no final de novembro, os senadores aprovaram a proposta por 61 votos favoráveis e 14 contrários. Se a PEC 55 for aprovada, a partir de 2018 os investimentos mínimos para educação e saúde deixam de crescer proporcionalmente à receita do país e passam a ficar congelados – corrigidos apenas pela inflação do ano anterior.

Como se trata de um piso, e não de um teto, é possível, na teoria, que a União invista mais que o mínimo estipulado. Mas como todas as outras áreas estarão com seus orçamentos limitados, é improvável que sobre dinheiro para gastos extras com educação e saúde.

Em entrevista à DW Brasil, Claudia Costin, diretora global de Educação do Banco Mundial, afirma que os impactos da PEC 55 serão danosos às futuras gerações de alunos. “O Brasil continuará com o desastre educacional que tem hoje.”

Claudia já foi secretária de Educação da cidade do Rio de Janeiro, de Cultura do estado de São Paulo e ministra da Administração e Reforma do governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, vive nos Estados Unidos, onde leciona na Faculdade de Educação de Harvard. Segundo ela, é imprescindível que o Brasil invista mais nos salários e na formação dos professores para aumentar a produtividade dos novos trabalhadores brasileiros.

“Se não conseguirmos avançar nessas medidas, estaremos condenados a uma educação de baixa qualidade, e o Brasil não vai conseguir crescer economicamente. O país será uma promessa falida”, afirma Claudia.

DW Brasil: Como a senhora avalia os impactos da PEC 55 para a educação?

Claudia Costin: Estamos com um problema sério e de longo prazo. Acredito que a PEC 55 vai trazer danos graves para a educação, sem ganhos significativos do ponto de vista fiscal. Não sou contra medidas de austeridade. Houve uma gestão irresponsável das contas fiscais, gastando-se mais do que se podia. Mas na tentativa de correção do problema, é fundamental preservar a educação. Normalmente, quando países têm problemas fiscais, ao menos os mais desenvolvidos, eles preservam a educação dos cortes. O Brasil optou por não fazer isso. É uma grande pena.

Qual será o ponto mais prejudicado pelas novas regras para investimentos em educação?

Muitos olham para os números e dizem que o Brasil já gasta muito com educação. Isso não é verdade. Países que deram saltos na qualidade da educação tiveram de aumentar os investimentos durante um certo período. Não estamos fazendo o mesmo. Pelo contrário. Hoje, não investimos o suficiente no ensino básico e pagamos mal os professores. Acredito que o mais complicado será lidar com a questão da atratividade da profissão de professor, que vai continuar baixa pelos próximos 20 anos. Caso não se estabeleça um mecanismo de revisão logo (antes dos dez anos previstos pela proposta), o Brasil vai continuar com o desastre educacional que tem hoje.

Quais serão as consequências de não se adotar esses investimentos?

O impacto direto é condenar o Brasil a uma baixa qualidade da educação das crianças por um período de 20 anos. Nenhum sistema educacional é melhor que a qualidade de seus professores. Melhorar o salário do professor é uma das medidas mais importantes para aumentar a atratividade da licenciatura, para aqueles jovens que ainda vão escolher que profissão seguir. Pesquisas mostram que os piores alunos tendem a escolher profissões de baixa atratividade. Corrigir esses salários demanda um esforço importante, constante e progressivo. Ao congelarmos os gastos por 20 anos, isso não poderá ser feito. Não é a única medida para melhorar a educação, mas é uma das mais importantes.

O que pode ser feito para melhorar a educação no país, independentemente da quantidade de recursos investidos?

O ideal seria, pelo menos, aprovar revisões dos valores dos investimentos antes dos dez anos – como prevê a PEC 55. Mas mesmo se isso não passar, será preciso mudar a universidade que forma os professores. Tornar a faculdade de educação e a licenciatura mais profissionalizantes, preparar melhor os universitários para a profissão de professor. Também temos de pensar na criação de um processo de ensino mais adequado para os jovens e adotar um currículo nacional comum (a base nacional curricular comum já está em processo de elaboração pelo governo), que defina claramente as expectativas de aprendizagem dos alunos brasileiros.

É preciso que este currículo seja muito mais adequado para as demandas do século 21: que forme jovens que saibam pensar, aplicar conceitos em situações reais, ler e interpretar textos de forma analítica. Tudo isso demanda um professor mais bem preparado. É um esforço que temos de fazer independentemente da PEC do teto dos gastos públicos.

Em que sentido é preciso melhorar a formação dos professores?

Hoje, a formação dos professores é excessivamente focada nos fundamentos da educação, como sociologia da educação, história da educação, filosofia da educação. Os currículos das universidades que formam professores trabalham muito pouco com a prática. Os cursos de Engenharia e Medicina, por exemplo, preparam o futuro engenheiro ou médico com uma abordagem prática e reflexão sobre a prática muito maior.

Em educação, isso não acontece. É urgente mudar os currículos de formação de professores pelas universidades e os concursos públicos das secretarias municipais e estaduais de educação para selecionar professores que, durante sua formação, tenham desenvolvido sua competência de ensinar de forma mais prática, com maior enfoque na didática.

Caso essas mudanças não sejam adotadas, como a senhora vê o país daqui a 20 anos?

Vejo o país estagnado. Uma das questões mais preocupantes que observamos na economia brasileira é a da produtividade, que está estagnada em um patamar muito baixo. Com uma produtividade baixa, e ela tem uma correlação importante com a qualidade da educação e o crescimento econômico de longo prazo, não vamos crescer. Com menos investimentos em educação, não vamos conseguir preparar os jovens para o futuro do mercado de trabalho. Hoje, vários cargos que demandam atividades manuais e intelectuais rotineiras estão se tornando obsoletos e desaparecendo por causa da automação do trabalho.

O que está sendo cada vez mais valorizado no mercado é a capacidade de criação, concepção, reflexão crítica, comunicação. E essas habilidades dependem de uma educação mais sofisticada e de melhor qualidade. Se não conseguirmos avançar nessas medidas, estaremos condenados a uma educação de baixa qualidade, e o Brasil não vai conseguir crescer economicamente. O país será uma promessa falida. O que garante o crescimento econômico de longo prazo, especialmente inclusivo, que diminua a desigualdade, é a educação de qualidade. Se o Brasil colocar no seu projeto de nação a educação como um eixo estruturador, e investir nela, poderemos ser um país diferente.

A senhora conhece outros países que já adotaram medidas semelhantes ao que a PEC 55 propõe para a educação?

Não. No Brasil, quem usa os serviços de educação e saúde públicas são, em geral, as pessoas mais pobres. A classe média frequenta pouco as escolas públicas e os serviços de saúde do governo. Num país tão desigual como o nosso, estaremos atingindo os mais pobres. Com certeza, há outras formas de cortar gastos sem prejudicar investimentos em educação e saúde.

Em oposição à PEC 55 e à Medida Provisória da reforma do Ensino Médio (que, entre outros pontos, diminui a quantidade de disciplinas obrigatórias da grade curricular), milhares de estudantes ocuparam escolas de todo o país. Como a senhora avalia este movimento estudantil?

Durante muito tempo, o sistema educacional brasileiro tratou os jovens de forma um pouco infantilizada, como se não pudessem ser protagonistas de sua própria vida escolar. Na Finlândia, por exemplo [país com desempenho educacional excelente], as escolas não chamam os pais para discutir comportamento de alunos de Ensino Médio. Eles chamam o próprio aluno. O estudante tem de perceber que a educação dele depende do seu protagonismo. Ele é o principal ator na construção dos seus sonhos e na sua vida escolar. Quem vai sair perdendo se a qualidade da educação ficar congelada ou se deteriorar ainda mais vai ser justamente esta geração.

Por isso, vejo esse movimento estudantil de forma positiva, embora eu concorde que o ensino médio brasileiro, com uma média de quatro horas de aula por dia e 13 disciplinas, está insustentável. Precisamos criar trilhas diferentes de educação, em que o aluno possa escolher disciplinas e não cursar durante os três anos as 13, ou 15 em alguns estados, matérias obrigatórias. Se olharmos para os 30 primeiros países no ranking do Pisa, nenhum deles têm mais de seis matérias, e todos têm carga horária maior que quatro horas de aula por dia. É uma pena que a reforma tenha sido proposta por medida provisória, mas ao meu ver ela é necessária.

O Brasil obteve resultados ruins no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em 2015, ocupando a 59ª posição em leitura, 63ª em ciências e 66ª em matemática, de um total de 70 países avaliados. Por que o desempenho brasileiro foi tão fraco?

O Brasil está estagnado há várias edições do ranking. O Pisa enfatiza a área de ciências, de letramento científico. Em primeiro lugar, estamos com professores muito mal formados para sua função. A universidade não prepara adequadamente professores no Brasil. Um professor de química, por exemplo, tem em média três anos e meio de aulas de química e um ano, ou menos, de aulas de fundamentos da educação. Mas não aprende a didática da química, ele não aprende a ensinar os alunos a pensar cientificamente. A prova Pisa pede exatamente esta competência: aplicar conceitos científicos para resolver problemas do dia a dia.

Os nossos professores não estão sendo preparados para isso. Além disso, dada a baixa atratividade da carreira, considerando os salários, condições e perspectivas, os melhores alunos do ensino médio não escolhem tornar-se professores. E mesmo os que já estão na faculdade de Química, Física e Biologia, por exemplo, na hora de fazer a licenciatura, optam apenas pelo bacharelado, porque o mercado paga muito mais que a sala de aula. A somatória das duas coisas, a baixa preparação da universidade e os salários reduzidos, explica boa parte do problema.

Leia a matéria completa no site do UOL.

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